Alegria, fé e emoção na 24a Lavagem da Madeleine

• Duda Tawil, de Paris

A cereja do bolo de todo Festival Cultural Lavagem da Madeleine sempre é, como seu nome indica, o dia da lavagem em si. Neste ano da badalada e já histórica Temporada/Saison cruzada/croisée França-Brésil, quando o evento voltou a ser realizado durante seis dias, em vários espaços da Cidade Luz, e mais diversificado também, englobando mais campos das artes, ela foi primorosa, antológica.

Inserido oficialmente, portanto, no Ano do Brasil na França de 2025, o festivo rendez-vous brasileiro, de sotaque baiano, brilhou como nunca, atraiu mais de 60 mil pessoas e reuniu mais de 700 artistas em diferentes grupos no chão e em cima do trio elétrico.

Foi a celebração da cultura afro-brasileira, desde as 11h30 da manhã do último domingo, quando, após os primeiros acordes, o cortejo partiu de perto da Praça da República em direção à Igreja da Madalena, onde chegou por volta das 14h.

Num percurso de 4km, atravessou embaixo de uma chuva fina, em dia quase outonal, cinco distritos de Paris, na maior alegria, na fé, a pé, e muita emoção. O desfile ganha ares de Carnaval quando blocos espontâneos, de 40 amigos do interior da França vêm exclusivamente para a capital, e formam o bloco “Bó Cumê Água”, para citar um exemplo. Foliões fantasiados, como de Filhos de Gandhy, também caem na farra, de latinha na mão. Gente vinda da Suécia, da Itália, da Suíça e de Portugal. Feliz com a recentíssima vitória da democracia sobre o fascismo, célebre folião da capital baiana, João Jorge Amado levou um cartaz com a foto de um careca e uma só palavra: “Xandão”. Os transeuntes param e se interessam pela folia. Folhetos sobre Salvador da Bahia são distribuídos por todos os lados do circuito.

No comando de tudo, desde sempre, o santo-amarense Robertinho Chaves, agitador cultural e criador do evento, inspirado na secular Lavagem do Bonfim que acontece em janeiro em Salvador da Bahia, e ele também é cantor no trio, o apresentador de todes. A bordo deste, vários momentos mágicos como a guitarra elétrica de Armandinho em total sintonia com os tambores dos músicos do Olodum, pela primeira vez na Madeleine, com seu jovem cantor Diggo de Deus, e sobretudo Lazinho, cantor e compositor, um dos fundadores do bloco e uma lenda viva, também a bordo.

Deliciosas cantoras se revezando em inúmeras músicas emblemáticas da axé-music, que completa 40 anos neste ano. Uma delas, a fantástica Ana Mametto, que na sexta brilhou com os jovens músicos do projeto “Arte no Dique”, e as meninas do Estúdio de Dança Arte em Movimento Ana Zucchi, ambos de Santos-SP, no show na casa de espetáculos Belushi’s, mencionou de cima do trio o escritor-mor da baianidade, o nosso amado Jorge, para em seguida cantar “A Luz de Tieta”, de Caetano Veloso, tema do Carnaval de Salvador de 1997. A heroína amadiana foi a deixa para “uma homenagem a todas as mulheres”, disse Ana, linda e radiante de tanta felicidade.

No chão, grupos de percussão como o célebre Batalá do percussionista Giba Gonçalves, incansável pioneiro desde as primeiras horas do “embrião” da Lavagem; as lindas baianas como a icônica ex-modelo negra, também pioneira, de Givenchy, Courrèges e Paco Rabanne, a nossa Condessa Luana de Noailles, na glória das suas quase 77 primaveras; rodas de capoeira com os mestres Grande, Trovoada e outros. Sincretismo religioso, alegria e emoção na mensagem final de convívio e tolerância, e, acima de tudo, a paz entre os povos de todo o mundo. No trecho derradeiro, entre a Ópera e a Madeleine, o cantor Jau, de volta à Lavagem, soltou a voz com seus grandes sucessos.

Além do Batalá de Giba e as Les Bahianaises, os seguintes grupos fazem a riqueza cultural da Lavagem: AdeBrasil, Badauê, Bafafá, Batuc’Ados, Brasis, Cabaret Gandaia, Capoeira 7 Quedas, Drumteam, Maracatu Nação Oju Obá, O Maracujá, OBA Cercles de Tambours e Timbau. A todos, aplausos.

Nos degraus da Madeleine, o padre da paróquia, Patrick Chauvet, sentenciou para a ovação da galera: “Hoje aqui não é a Madeleine de Paris, mas a MADELEINE DU BRÉSIL!”. Rezou o Pai Nosso em francês, seguido por Pai Pote e seus cânticos em iorubá, e suas palavras a favor do respeito pelos imigrantes. É o momento apoteótico do sincretismo religioso, tão baiano, na Capital do Mundo que é Paris.

A madrinha da Lavagem, a franco-brasileira Cristina Cordula, ex-modelo e hoje apresentadora de tevê e influenciadora, à sua maneira, ou seja, cheia de charme e simpatia, também abençoou o encontro, ao microfone. A atuante deputada estadual baiana Olívia Santana, sempre presente, igualmente falou bonito.

Após o rufar dos tambores, com baianas e percussionistas posicionados num colorido fabuloso em cima dos degraus da linda e monumental igreja em estilo neoclássico, do século XVIII, como um templo grego na Acrópole, uma das principais da capital francesa, a música parou e, de cima do trio, Robertinho Chaves pediu um minuto de silêncio em memória das nossas Wanda Chase, jornalista manauara, baiana por adoção e de coração, que tantas e tantas vezes cobriu a Lavagem a ponto de já fazer parte, e a cantora Preta Gil, grande apoiadora do evento. Elas nos deixaram neste ano, e foram homenageadas. Robertinho, então, apresentou a cantora lírica carioca Luanda Siqueira, soprano que com seu belo vozeirão, no lugar mais alto do trio, interpretou a “Ave Maria” de Schubert, numa emoção indescritível, que só mesmo a ouvindo para entender. A praça, as ruas vizinhas, os bares, a multidão, tudo emudeceu na elevação aos céus. Até as grossas colunas gregas de pedra da Madeleine se arrepiaram.

Estamos na França onde horário é sagrado, país dos rendez-vous (compromissos, encontros marcados), e a festa que faz parte do calendário de festejos oficiais da Prefeitura/Ville de Paris, tem de se dar por concluída até às 15h, pontuais. Que assim seja, e foi.

Mas…o próximo rendez-vous é para já, já, e ele será no Le Cirque, no bairro de Beaubourg, 4° distrito desta cidade única, onde rolou uma lauta feijoada do top bufê brasileiro de Luciana Gouveia e equipe, e muita música das 16h à meia-noite.

Foi a esperada Mada Fête, que lotou os espaços do bar e restaurante. Dois shows, dois cantores baianos e suas ótimas bandas: primeiro R’Dioh, estabelecido em Paris há anos, e, na sequência, vindo de Salvador, o genial Jau. Depois, fim de festa, o comando das pick ups de novo este ano a cargo de outro baiano, o DJ José Çaravá (sim, com C cedilha!!!), conhecidíssimo das nights parisienses, e sua set list de extremo bom gosto para a galera continuar a dançar com o que de melhor há na MPB.

A Lavagem da Madeleine não é só Robertinho: é uma conjugação de esforços de uma equipe talentosa e devota da causa, cada qual trazendo seu tijolo para a construção. O seu braço direito é uma francesa, a vice-presidente da Associação Viva Madeleine!, a incansável, talentosa e gentil Audrey Étropie. E aplausos para a cantora carioca Cátia Werneck, presente em vários momentos de todo o evento, assistente direta de Robertinho, como na organização e produção do show de Armandinho no Belushi’s, o final apoteótico nas escadarias da Madeleine, etc. Cátia tem CDs na praça e já tem mais de 40 anos de França no currículo! E parabéns a todes os voluntários. Impossível mencionar todes.

Rendez-vous l´année prochaine! Até o ano que vem!

2026: Madeleine 25 an(os)!

O Festival de Cultura Brasileira – Lavagem de Madeleine foi organizado no âmbito da Temporada-Saison
França-Brésil 2025 pela République Française, Institut Français e Instituto Guimarães Rosa, com o apoio da EMBRATUR – Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, SETUR – Secretaria de Turismo do Estado da Bahia, SECULT – Secretaria de Cultura e Turismo de Salvador da Bahia, PETROBRAS e a realização do Governo Federal através da Lei de Incentivo à Cultura.

Foto da @nicfilmes (Marcelo e Jonas): Jau, Diggo e Lazinho com o músicos do Olodum em cima do trio, e no asfalto parisiense a multidão literalmente na frente, nos lados e atrás do trio elétrico!

Vive/a l.a Madeleine!

Mais informações: www.lavagedelamadeleine.com e @lavagedelamadeleine