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No inverno, o Salento é alma autêntica da Púglia!
- Michela Secci – texto e foto, de Paris
O Salento, no sul da Itália, mesmo na estação fria, revela uma face surpreendente e profundamente autêntica. Longe das multidões do verão, essa terra se deixa descobrir com calma, entre vilarejos silenciosos, o mar de cores mutáveis sob o céu do inverno e um patrimônio cultural que emerge sem filtros.
É nesse cenário que nasce a primeira Festa do Fogo da Púglia, um ritual capaz de encantar viajantes italianos e internacionais, cada vez mais atraídos pelo inverno como o tempo ideal para a descoberta.
Entre a pedra clara, as oliveiras centenárias e tradições ancestrais, o Salento no inverno se confirma como um destino que une memória, inovação e humanidade. Uma terra que não se exibe, mas se revela aos poucos.
O fogo, fio condutor do inverno no Salento
Quem marca o ritmo do inverno salentino é o fogo, protagonista de um calendário intenso de rituais antigos que, de dezembro à primavera, iluminam praças e comunidades. As Festas do Fogo — ao menos quatro por mês — abrem a temporada com a Focareddha de Sant’Andrea, em Presicce-Acquarica, a primeira Festa do Fogo oficial da Púglia.
Em seguida vêm as Fanove de Castellana Grotte (11 de janeiro), a célebre Fòcara de Novoli (16 de janeiro), a fogueira de San Niceta, em Melendugno (27 de janeiro), até o Fogueirão de São José, em Erchie, na primavera.
Presicce-Acquarica e a Focareddha
No elegante vilarejo de Presicce, hoje município único como Acquarica del Capo, a Focareddha é construída desde tempos imemoriais com feixes de galhos de oliveira, provenientes da poda das árvores que sustentam uma das mais importantes tradições olivícolas da região.
Essa história é testemunhada pelos cerca de 60 lagares (moinhos) subterrâneos que se estendem sob o centro histórico, três deles de propriedade municipal, visitáveis sob a Piazza del Popolo.
Todos os anos, em 30 de novembro, acender a Focareddha se transforma em um grande evento coletivo, com música, espetáculos e uma forte mensagem simbólica. Neste ano, a fogueira assumiu a forma de um tanque de guerra, convertido em um poderoso apelo pela paz no mundo.
A cerimônia foi aberta pelo prefeito Paolo Rizzo e pela secretária de Turismo e Cultura Natacha Pizzolante, e enriquecida pelas reflexões dos alunos das escolas, protagonistas de uma mensagem voltada para o futuro.
O evento atrai visitantes de todo o Salento e de diversas regiões da Itália, oferecendo a oportunidade de explorar o vilarejo: palácios nobres, ruelas do centro histórico, a rara casa-torre e as casas com pátio interno, símbolos de uma vida comunitária hoje quase desaparecida.
A pedra que conta a história do Salento
Deixando Presicce-Acquarica, a viagem continua entre pedreiras e ateliês onde nasce a pedra de Lecce, um material vivo e luminoso que moldou, ao longo dos séculos, a arquitetura do Salento. Um saber produtivo que expressa a essência do “made in Italy”, transmitido de geração em geração.
Empresas históricas como Pimar Limestone, da família Marrocco, e Bianco Cave seguem extraindo, trabalhando e reinterpretando essa pedra milenar, transformando-a em elementos arquitetônicos e obras de arte que dialogam com paisagens nacionais e internacionais. Cada bloco carrega uma história de esforço, precisão e beleza.
Hospitalidade entre campo, arte e inovação
No inverno, o Salento também se revela como um laboratório de hospitalidade difusa, capaz de unir natureza, cultura e visão contemporânea.
Em Cursi, imersa no campo, mas a poucos passos da praça principal, a Willaria Country House nasceu do sonho da família Santoro e hoje é administrada pelos irmãos William e Ilaria. Quartos amplos, jardim à italiana, piscina e um restaurante elegante fazem do local um refúgio discreto e sofisticado, escolhido ao longo dos anos por personalidades do espetáculo e da música.
Entre o Adriático e o Jônico, a poucos minutos de Otranto, a Masseria Secolario se estende por um olival centenário de 70 hectares. Fruto do encontro das famílias Cazzetta e Marrocco, interpreta o luxo de forma autêntica, transformando a simplicidade em um estilo de vida. Um verdadeiro polo cultural, abriga uma intervenção em pedra de Lecce de Álvaro Siza e obras de artistas como Michelangelo Pistoletto e Hidetoshi Nagasawa, onde arte, natureza e hospitalidade se encontram.
Em Melendugno, a Agricola Chiani é um refúgio de charme cercado pelo verde, estrategicamente localizado entre praias com Bandeira Azul, a Gruta da Poesia e a cidade de Lecce. Com cinco quartos de estilo minimalista, piscina de borda infinita e uma cozinha baseada em produtos orgânicos da própria fazenda, oferece uma experiência de relaxamento e autenticidade.
No coração de Maglie, a Corte dei Granai, instalada em um antigo celeiro do século XVII, é uma residência de charme onde a pedra de Lecce dialoga com o design contemporâneo. Quartos e suítes voltados para um pátio interno e serviços funcionais fazem do local uma base ideal para explorar o Salento.
As minas de “ouro verde”
Os lagares subterrâneos transformaram Presicce em uma espécie de “Dubai” do passado. O óleo lampante, usado para iluminação, era o petróleo da época e iluminava praças, igrejas e ruas de Londres, Paris, Moscou e São Petersburgo. Uma riqueza que permitiu a construção de vilas e palácios. Embora existam lagares (moinhos) semelhantes em outros vilarejos do Salento, aqui a concentração é única.
Em Acquarica del Capo, vale a visita à Torre de Celsorizzo, símbolo do poder da informação na Idade Média, enquanto o vilarejo é conhecido pela tradição do trabalho com junco, que dá origem a cestos, tapetes e objetos de decoração de grande beleza.
Trapetum, casa que guarda o tempo
Trapetum é uma casa que surpreende e envolve. Objetos antigos, fotografias de época, escadas inesperadas e percursos secretos conduzem a um espaço precioso: um lagar subterrâneo do século XVII, preservado de forma excepcional. Foi ali que se produziu o óleo destinado à iluminação das grandes capitais europeias, transportado até o porto de Gallipoli e, de lá, para o mundo.
O restauro, realizado com extremo respeito, segue uma visão clara: não ser dono da história, mas seu guardião. Hoje, Trapetum recebe os visitantes como uma viagem pela memória e pela beleza silenciosa de uma terra feita para encantar.
Calura e o mar na mesa
Em Santa Maria di Leuca, o restaurante Calura, de propriedade de Antonio Perrone Amato, transforma o peixe fresquíssimo do Cabo de Leuca em pura excelência gastronômica.
Da salada de frutos do mar aos nhoques ao negro de sépia, até uma delicada e intensa tarte de atum, cada prato conta a história do mar e do território, em perfeita sintonia com a autenticidade.
Muro Leccese: arqueologia, tecnologia e inclusão
A viagem continua em Muro Leccese, no coração da península salentina, onde novas campanhas arqueológicas revelaram descobertas extraordinárias.
Graças ao projeto “ViViMuro”, financiado pelo PNRR Cultura, arqueologia, inteligência artificial e inclusão social caminham juntas. Entre as iniciativas, destaca-se um café gerido por pessoas com deficiência, já muito apreciado.
Do Museu Medieval e Messápico ao sítio arqueológico, onde vieram à luz mais de 600 metros de muralhas messápicas, túmulos monumentais e uma descoberta destinada a reescrever a história: um arco que antecederia à invenção tradicionalmente atribuída aos etruscos. Até junho de 2026, experiências imersivas e hologramas tornarão a visita ainda mais envolvente.
Lu Cute: o azeite como identidade
Em Carpignano Salentino, a Azienda Agricola Lu Cute representa a cultura do azeite como patrimônio identitário. A família Palano acompanha todo o ciclo produtivo — da colheita manual das azeitonas ao processamento no lagar próprio — dando origem a um azeite refinado, que concentra o sabor, a história e a alma do Salento.
O Salento no inverno não se atravessa: se vive!
Entre fogo, pedra, oliveiras e comunidades, é uma terra que convida a desacelerar, ouvir e redescobrir o sentido mais profundo da viagem.
- Michela Secci é jornalista italiana, correspondente na França, ex-presidente e membro da APE – “Association de la Presse Étrangère” / Associação da Imprensa Estrangeira, em Paris.
Foto: Praça em Presicce, no Salento, região da Púglia, Itália